terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Déjà vu – Lembranças de outra vida (Conto)




Por: Cyntia Dias

O meu jardim está repleto de folhas secas que apodrecem no chão deixando um odor insuportável. As árvores antes frondosas agora estão mortas. Troncos secos que fertilizam a terra estéril. Há muito tempo atrás jogaram diversos tipos de venenos e agrotóxicos naquele chão, outrora fértil. Arrancaram as ervas daninhas à mão e junto com elas, as ervas medicinais e as pequenas árvores frutíferas.

O mato cobre a maior parte do que deveria ser um belíssimo jardim. Insetos caminham livremente nesta que é agora sua casa, e eu que antes era dona passo a invasora. No quintal do vizinho, crianças brincam com mangueiras de água fazendo arco-íris. O sol está indo embora com o finzinho da tarde. Esqueço-me do por que que retornei a este lugar.

A casa é antiga. Ninguém parece ter morado lá depois de mim. A porta não parece estar trancada. Entro na sala extensa. Muita poeira sobre os móveis rústicos e uma sensação de abandono total. Aos poucos minhas lembranças começam a retornar. Lembro do dia em que minha mãe fez bolo de batata. O cheiro estava bom. Meu pai veio logo em seguida apreciar a sobremesa.

Em outro momento, era natal. Muitas pessoas reunidas. Não conheço quase ninguém. Não quero ficar ali. Subo para o meu quarto. Tranco a porta. Sento na cama e me encolho abraçando os meus joelhos. O meu ursinho de pelúcia está próximo. Eu fecho os olhos.

Saio da sala e caminho até a cozinha. Todas as coisas parecem estar nos mesmos lugares. Começo a ver minha mãe preparando o café. Tem um aroma gostoso. Ela sabe muito bem como preparar um café. Diria até que se trata de uma especialista. É a melhor. Sinto tanto amor por ela que meu coração parece se encher de um sentimento de contentamento.

Caminho em direção aos quartos. Entro no meu antigo quarto de criança. Meus brinquedos ainda estão jogados pelo chão. O meu ursinho continua no mesmo lugar. Olho pela janela e vejo meu pai no jardim. Ele parece estar muito feliz com um grupo de amigos e vizinhos. Posso ver que estão fazendo churrasco e estão bebendo também. Um cheiro bom de carne assada invade as minhas narinas.

Sento na cama e pego o ursinho. Outras memórias me veem a mente. Um homem muito feio e muito sujo abre a porta. Ele diz que é o encanador e pergunta onde é a cozinha. Eu indico com a mão. Ele vai embora. Depois de um tempo acordo com gritos desesperados de minha mãe. Ela estava jogada sobre o meu corpo e chorava descontroladamente. Meu pai também chorava e tentava acalmar minha mãe. Eu via tudo de longe.

O meu corpo pequenino de menina de apenas nove anos estava violado e ensanguentado. Não lembro o que houve depois. Eu apaguei e não vi nenhuma fonte de luz. Nenhum anjo veio em meu socorro naquele dia e acho que morri para sempre. Mas continuo vagando e em tempos e tempos retorno para rever meu antigo lar. Já faz algumas décadas. Espero um dia poder renascer, e quem sabe poder brincar junto com aquelas crianças de fazer arco-íris no quintal de casa, em uma tarde de verão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário