sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Idas e voltas a um passado não tão distante: A história de todos nós – (Conto)



Por: Cyntia Dias

Eles chegaram por essas terras em meados de 1914. Era o final do primeiro ciclo da borracha, que teve início em 1877. Em 2 de outubro daquele mesmo ano viram ser criado o município amazonense de Porto Velho através da Lei 757, aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas e sancionada pelo governador daquele Estado, Jonathas de Freitas Pedroza.

Como milhares de retirantes nordestinos, eles se alojaram em barracos de madeira próximo ao Rio Madeira. Eram apenas três pessoas. O homem de aparência sofrida apesar de aparentar muito mais do que os seus trinta anos tinha muita força e era extremamente trabalhador. Fazia serviços que a maioria não queria ou desprezava. Fazia desde serviços de carpintaria até jardinagem. Saia de madrugada e voltava quase na hora de partir novamente. A mulher lavava roupa ou vendia doces para ajudar o marido.

A mulher era daquelas que não se deixavam abater facilmente. Tinha saído de casa para casar, e teria que casar logo porque já estava grávida. Não poderia desonrar o nome da família. Fugiu com o homem que é o pai de sua filha pequena. Apesar de tudo nunca se arrependeu. Se tivesse ficado em casa provavelmente o pai a teria banido.

Veio para esse lugar perdido no meio do mundo, a Amazônia. Seu marido falou tanto das vantagens, da vida nova que teriam. Os dois se iludiram. Ao chegarem a Porto Velho encontraram uma terra cheia de gente ambiciosa vinda de diversas partes do globo. Como eles que vieram do Ceará, vinham também pernambucanos, paraibanos, gaúchos... Vinham pessoas de outros países também, eram barbadianos, ingleses, e até gregos.

O casal sabia que enfrentaria grandes problemas na Amazônia, mas não imaginavam o que estava por vir. Os diversos tipos de doenças que reinavam na região foram responsáveis por inumeráveis mortes. Existiam as doenças acidentais como a febre amarela, varíola, tuberculose, e as dominantes como a beribéri, disenteria, malária, hanseníase e outras que assolavam a região amazônica.

O Hospital da Candelária, fundado em 1910 pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, vivia abarrotado de gente. Na época em que se deu a construção efetiva da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907 a 1912) conta-se que o período de utilização de um trabalhador era de 90 dias, após esse prazo o funcionário já caia atingido por alguma moléstia.

Passaram-se os anos, estamos em 1942. O bebê daquele casal cearense já não é mais uma criança. Após 28 anos a jovem já viu desgraças a perder as contas. A mãe morreu de malária. O pai foi morto pelos índios quando explorava látex na floresta. Disseram para ela que eram de uma tribo canibal.

A mulher não casou. Não quis ter filhos. Nunca se envolveu com homem algum. Pensava que colocar uma criança naquele mundo onde parecia que só existia sofrimento e dor não era justo. Resignou-se a solidão. Às vezes ficava na varanda de casa lembrando as histórias contadas pelos pais. Sabia que eles não haviam fugido só da ira de seu avô. O pai contava com lágrimas nos olhos que a terra de onde vinham era pobre e seca, e que quando ouviu falar de um lugar que tinha água em abundância onde poderiam plantar e colher alimentos mais que suficientes para se manterem, ele simplesmente arrumou as malas, e pediu para a mulher preparar as dela, e fugiram. Esperavam encontrar o novo mundo.

Não estavam completamente errados. Nunca faltou água. Estavam à beira do Madeira. O pai sempre saía para pescar e trazia peixes enormes. Tambaquis, pirarucus, barbados e outras espécies sempre faziam parte da mesa. Ainda fazem, pois ela é apaixonada por peixe.

O ano de 1942 foi marcado pela invasão japonesa aos países asiáticos produtores de borracha silvestre. Na época o Japão formava uma coalizão com mais dois países Itália e Alemanha. O fornecimento da borracha da Malásia aos Estados Unidos foi cortado pelos japoneses. Sem outra opção, os americanos recorreram aos seringais brasileiros. Começava o segundo ciclo da borracha que terminou com o fim da II Grande Guerra Mundial em 1945.

Damos um salto no tempo e chegamos a 1981. A nossa personagem agora tem 67 anos. Ela viu a terra onde nasceu e cresceu se transformar em Território Federal do Guaporé em 13 de setembro de 1943; se transformar em Território Federal de Rondônia em 17 de fevereiro de 1956; e em Estado de Rondônia no dia 22 de dezembro de 1981.

Estamos em 2010, Rondônia passa por mais um ciclo. Depois dos dois ciclos da borracha, do ciclo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, do ciclo do ouro, chegamos ao ciclo das Usinas Hidrelétricas do Madeira (Santo Antônio e Jirau). Milhares de pessoas ainda veem em busca do Eldorado.

A senhora caminha pela beira do rio. Relembra coisas de sua vida, da infância, dos pais. Foram 96 anos bem vividos, ela pensa. “Muitas coisas aconteceram e eu passei por elas sem me dar conta. Estava aqui desde o princípio. Agora estou velha, me doem os joelhos. Caminho pouco e logo canso. Sem filhos para me amparar ou para deixar qualquer bem que tenha, estou esperando pela morte, mas ainda tenho muita vida. Quero chegar aos 100 anos. Tenho muitas histórias para contar”.

Ela caminha de volta para casa. Senta em sua cadeira de balaço na varanda e fica a observar o majestoso Rio Madeira. Como é belo, ela pensa. Logo começam a chegar algumas crianças da vizinhança. Elas sentam ao redor da simpática senhora e esta começa a contar muitas histórias do tempo em que ela também era apenas uma criança inocente.

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